Reluctante, saio da cama depois de dar voltas e voltas. A vontade de fazer xixi vai além dos limites e a alternativa é acordar a meio da noite para ir aceder ao apelo da natureza.
Meio ensonado, levanto-me, calço-me e vou pelo corredor fora, aos apalpões. Não sou pessoa de acender luzes, a não ser quando me sinto amedrontado.
Estranho a porta da cozinha fechada. Não é hábito.
OK... o inquilino deve ter fechado a porta da cozinha para que a Mia não invadisse a casa nas suas loucuras nocturnas.
Entro na cozinha.
A escuridão repousa nas paredes indefinidas. A porta que vai da cozinha para a marquise está entreaberta. Estranho... Mas não penso demoradamente no assunto.
Ah pois... ele não conseguiu trancar a porta da marquise, e para evitar que a Mia invadisse o resto da casa durante a noite, deixou a porta da cozinha fechada.
Tudo fez sentido de acordo com o raciocínio de hipóteses que eu conduzi.
Desço o degrau da cozinha para a marquise e aproximei-me da porta da casa-de-banho. É uma porta de correr, de vidro. Não havia sinais de luz ou vida. Tudo na mais completa escuridão e inércia.
Levo a mão à maçaneta da porta, corro-a, e sinto um fervor de sangue nas veias em simultâneo com um arrepio de frio pelas costas acima. Todo eu estremeci e a vida pareceu-me curta demais.
Dei de caras com o inquilino, de pé, especado de frente para mim, dentro da casa-de-banho ... numa perfeita escuridão e silêncio.
A minha alma desmaiou repetidas vezes antes de eu conseguir compreender o que se passava... Apanhei o cagaço da minha vida e senti, quase literalmente, a última gota de sangue congelar em forma de cubo nos cantos dos olhos.
Quando finalmente apanhei os ... (you know what) que corriam livres no chão, exclamei, com as pernas a tiritar:
- Crédo!
Neste momento, não consigo ainda explicar/compreender o que fazia ele dentro da casa-de-banho, de pé, frente à porta, especado, na escuridão e num silêncio absoluto... pelas duas da manhã.